quarta-feira, 8 de junho de 2011

PROGRAMA DE SAÚDE SEXUAL GOVERNAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES, DIFICULDADES E LIMITAÇÕES


MARTYRES, Thais Raffaela dos
Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco
Acadêmica do Curso de Farmácia
Membro do Grupo de
Bolsista GEPES – PET – MEC – FDB

BONFIM, Cláudia R. S.
Doutora em História, Filosofia e Educação – UNICAMP
Pesquisadora do Grupo PAIDÉIA – FE – UNICAMP
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sexualidade
Tutora GEPES – PET – MEC
Docente da Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco



Resumo: O presente trabalho se constitui como um estudo bibliográfico, com aporte de pesquisa de campo, através da observação, sensível e informal do nosso cotidiano profissional e pessoal, diante dos casos relativos à sexualidade que acompanhamos como estagiária em uma esfera do governo do âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), na região norte do Paraná, abrangendo 21 municípios. Nos fundamentamos especialmente nos estudos de Foucault, Nunes, Mynao e Bonfim, entre outros. O objetivo central é apontar as contribuições, dificuldades e limitações dos programas de saúde sexual governamentais. Verificou-se a necessidade de superação da visão meramente biológica, em que ainda se encontra pautada a educação sexual, tanto escolar, quanto sociais, especialmente no âmbito de saúde pública, que se deve aos limites da formação dos profissionais que atuam nesta área, que não lhes proporcionaram uma visão ampla.

Palavras-chave: Saúde Sexual, DST´s, AIDS.

1. Introdução

Sexualidade é um termo amplamente abrangente que engloba inúmeros fatores e dificilmente se encaixa em uma definição única e absoluta. A definição central de sexualidade que utilizamos para nosso estudo decorre da Organização Mundial de Saúde (OMS) que afirma:
A sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso. É energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações, portanto a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como direito humano básico. A saúde mental é a integração dos aspectos sociais, somáticos, intelectuais e emocionais de maneira tal influenciem positivamente a personalidade, a capacidade de comunicação com outras pessoas e o amor.

Mas também recorremos à compreensão histórica da sexualidade. Foucault (1997, p.12) afirma que “a sexualidade é uma interação social, uma vez que se constitui historicamente a partir de múltiplos discursos sobre sexo; discursos que regulam, que normatizam e instauram saberes que produzem verdades.”

Concordamos ainda com Nunes e Silva (2000, p.73) ao afirmarem:
[...] Entendemos que a sexualidade é uma marca única do homem, uma característica somente desenvolvida e presente na condição cultural e histórica do homem [...] A sexualidade transcende a consideração meramente biológica, centrada na reprodução das capacidades instintivas [...] A sexualidade é a própria vivência e significação do sexo, para além do determinismo naturalista, isto é, carrega dentro de si a intencionalidade e a escolha, que a tornam uma dimensão humana, dialógica, cultural [...].

Nunes apud Bonfim (2009, p.8) também afirma que:
A sexualidade é uma área de saber e de investigação essencialmente complexa e polêmica, por envolver dogmas religiosos, valores éticos e estéticos, enfim a subjetividade. E nos aponta a necessidade de se fazer a superação da visão simplista, preconceituosa, moralista, equivocada, condicionada pela ideologia dominante, caracterizada pelo senso-comum.


2. Problemática


Diante das premissas presentes no conceito de sexualidade da OMS, e nas demais categorias apresentadas acima, podemos pressupor que há ainda dificuldades e limitações que precisam ser superadas. E nos suscitam o seguinte questionamento: Quais as principais dificuldades e limitações impedem a ampliação da visão da sexualidade dos profissionais de saúde que atuam nos programas de educação sexual governamental?

3. Objetivo Geral

Sem desconsiderar a importância da atuação destes programas, mas partindo da hipótese que se estes profissionais tivessem uma formação que lhes possibilitasse compreender os aspectos sócio-histórico-culturais da sexualidade, desenvolveriam um trabalho com resultados melhores é que estabelecemos o objetivo geral deste trabalho: apontar as contribuições, dificuldades e limitações dos programas de saúde sexual governamentais.

4. Metodologia

O estudo é de caráter bibliográfico, através de livros e artigos científicos, com aporte de pesquisa de campo, através da observação realizada em nossa vivência como estagiária do SUS, na cidade de Cornélio Procópio, região norte do Paraná. A fundamentação teórica pauta-se em Foucault, Nunes, Minayo e Bonfim, entre outros.

5. Aspectos Gerais

Os dados do Ministério da Saúde apontam que 87% das mulheres que vivem com HIV/AIDS se infectaram através da relação sexual, sendo que, 83% delas têm idade entre 20 e 49 anos. E na faixa etária dos 13 aos 19 anos, há maior infecção entre as mulheres (10 mulheres para cada seis homens infectados). E acreditam que "até o momento, a informação correta e o uso do preservativo é a melhor forma de infecção pelo HIV.” E entre a faixa etária dos 20 a 24 anos, divisão por gênero é semelhante. Entre os homens, jovens se infectam mais em relações homossexuais.
Em nossa região não é diferente. Cada vez mais, há uma pequena procura por preservativos especialmente por parte de municípios menores. Diante dessa realidade cresce o número de gravidez indesejada na adolescência e o número de pessoas infectadas pelo HIV e por outras doenças sexualmente transmissíveis.
Considerando Bonfim (Online), um dos fatores que levaram ao não uso do preservativo se deve ao contexto sócio-histórico em que a sexualidade sempre esteve associada basicamente ao aspecto reprodutivo, diante desta visão reducionista grande parte da população, especialmente após a invenção da pílula anticoncepcional para não engravidar, deixando de lado o uso preservativo, sem levar em consideração que método anticoncepcional apenas evita a gravidez, mas não previne as doenças sexualmente transmissíveis. Bonfim ainda aponta que:
[...] Há que se ressaltar também que a descoberta a pílula anticoncepcional pode ser considerada um marco da revolução sexual de 1960, e também em termos de saúde pública, planejamento familiar e comportamento sexual no Brasil, e um marco essencial para a liberdade sexual e emancipação das mulheres, ao permitir que pudéssemos dissociar a ideia de sexo apenas como reprodução, e controlar o processo reprodutivo, trazendo um novo olhar e conceito sobre a sexualidade, e propiciando que as relações sexuais pudessem ser mantidas apenas pela busca do prazer. Com o surgimento da pílula surge a efervescência do movimento hippie com o Amor livre, e do avanço dos movimentos feministas. Até então vivíamos ainda o auge de uma geração fruto pleno da sociedade machista patriarcal, para muitos homens a pílula representou não mais o controle que eles acreditavam ter sob a fidelidade feminina. Mas é preciso pensar que a pílula também abriu espaço de certa forma para o não uso do preservativo, visto que nesta época a maior preocupação em relação ao sexo era o controle reprodutivo. Ainda hoje, muitas pessoas se esquecem que a pílula anticoncepcional apenas evita uma gravidez não planejada, mas não preserva de se contrair o vírus da AIDS ou outras DST´s. A utilização da pílula por si só não exclui a necessidade e a importância do uso do preservativo.

Outro aspecto importante que faz com que as pessoas não façam uso da camisinha é imaginar que o método diminui o prazer no ato sexual, o que de fato não é real. Retomando Bonfim (Online) que esclarece: “[...] O nosso maior órgão sexual é a mente (psiqué), para sentirmos prazer nossa mente precisa estar entregue plenamente àquele momento. Livre de culpas, problemas, dogmas, medo, tabus. ”
No tempo em que estagiamos no SUS (dois anos e meio), percebemos a grande dificuldade que as pessoas soro positivo, encontram ao confirmar sua infecção, e a resistência na hora de procurar o parceiro com que teve a relação sexual desprotegida para que este também faça o teste, e quanto ao próprio tratamento. Com isso, muitas vezes, atrasa-se o início do tratamento fazendo com que a doença piore e se manifeste no organismo outras infecções. Os próprios parceiros, mesmo diante da constatação do outro, também são resistentes a fazer o teste.
Isso nos leva a pensar sobre até que ponto as informações sobre como usar o preservativo e sua distribuição pelos postos de saúde tem sido eficientes em seu objetivo de diminuir esses índices relativos à gravidez não-planejada e de DST´s e AIDS.
Por isso, mesmo atuando no âmbito da saúde, sentimos a necessidade de uma compreensão histórica da sexualidade e de uma se formar uma equipe multidisciplinar para atuar na área de políticas relativas à sexualidade: médicos, enfermeiros, psicólogos e educadores. Porque como aponta Bonfim (2009) as informações biológicas e sobre como usar o preservativo, assim como os métodos anticonceptivos são necessárias, mas não são suficientes para formar consciências críticas. Embora não só apenas os programas de saúde sexual precisem incorporar nova visão da sexualidade, pois como afirma Rosa (1984, p.31):
A orientação sexual, nos moldes em que está sendo proposta nas escolas está mais relacionada aos programas de saúde com ênfase ao lado biológico e higienista e isto reflete no despreparo dos educadores frente a essa temática, não apresentando informações realmente necessárias aos jovens.

Bonfim (2009, p.85) ainda afirma que:
Ainda hoje, a orientação sexual escolar está vinculada à linha dos programas de saúde como uma extensão da pedagogia da higiene das décadas de 1960 e 1970. Tais programas nunca constituíram uma disciplina formal dentro do currículo escolar, mas um conjunto de conhecimentos na área médico-higienista, enfoque que os próprios educadores utilizam para justificar que não trabalhem na sua disciplina o tema da sexualidade. Os poucos cursos de qualificação sobre a sexualidade ofertados pelos órgãos educacionais também acabam traduzindo-se na visão biologista-médico-higienista, pautando-se na sexualidade preventiva, vinculada à patologia e à gravidez não planejada na adolescência sem destacar a construção histórica, política, social e cultural da sexualidade humana. (p.85).

É importante ressaltar que, os profissionais que trabalham nos programas de saúde sexual governamentais, realizam um trabalho importante dentro dos aspectos da prevenção da saúde sexual reprodutiva, mas atuam dentro dos limites da sua formação que certamente não lhes propiciou uma visão mais ampla da sexualidade, englobando além dos aspectos biológicos, sua compreensão sócio-histórica-cultural.
Consideramos como Minayo (1997), a necessidade da superação dos limites de atuação da formação que estes profissionais tiveram, formando agentes sociais com uma visão de saúde integral do ser humano.

6. Conclusão

Após este estudo é possível concluir que, embora o acesso ao preservativo e informações relativas ao seu uso sejam importante, faz-se necessário desenvolver um programa contínuo de conscientização dos jovens e de toda população sobre como viver uma sexualidade saudável e não apenas no aspecto de prevenção de AIDS, DSTs e gravidez não planejada, mas da saúde emocional das pessoas. Sendo importante e indispensável, uma política pública de educação afetivo-social que passe a esclarecer sobre a sexualidade em sua totalidade.
Dentro de nossa experiência como estagiária do SUS notamos a necessidade dos Programas de Saúde Sexual desenvolvidos no âmbito do SUS, há superarem a visão médica-biologista ação por uma educação sexual que tenha uma compreensão sócio-histórica da sexualidade de maneira crítica e que considere o indivíduo, em sua totalidade, ou seja, que busque uma visão mais ampla integrando os aspectos biológicos, sociais, subjetivos, que busque leva à aquisição da consciência corporal, e para o enriquecimento das trocas afetivas, levando as pessoas a construírem relações pautadas no respeito a si e ao outro.
Acreditamos que os Programas de saúde sexual não devem ter como objetivo apenas os aspectos informativos e preventivos de doenças sexualmente transmissíveis, mas também promoção da consciência sobre os significados e importância da vivência da sexualidade humana em todos os seus aspectos a partir de uma visão positiva, prazerosa, saudável, livre de tabus e preconceitos, mas plena de significados. Faz-se necessário superar a abordagem médico-biologista-hieginista (centrada no profissional), que torna a orientação sexual um monólogo interrogativo, com respostar monossilábicas, e com um caráter informativo, muito mais do que reflexivo. Este tipo de orientação embora importante não é capaz por si só de contribuir para que as pessoas possam construir novos valores, significados, e possibilidades mesmo no âmbito da promoção da saúde sexual.
Pautados na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, que pelo menos teoricamente, busca uma humanização da atuação trabalhadores do SUS, defendemos que está deve ocorrer em todos os setores, inclusive na abordagem da saúde sexual, promovendo a ampliação dos conhecimentos destes profissionais no tocante à compreensão da sexualidade humana, buscando superar as práticas fragmentadas no campo da educação sexual, a visão ingênua e médico-biologista-higienista por uma visão crítica.


REFERÊNCIAS

BONFIM, C. R. S. Educação Sexual e Formação de Professores de Ciências Biológicas: contradições, limites e possibilidades. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Campinas, SP: Unicamp, 2009.
______. Resistência ao uso do preservativo. Online. Disponível na Internet in: http://educacaoesexualidadeprofclaudiabonfim.blogspot.com/ Acesso 08 março 2011
FOUCAULT, M. A História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1997.
MINAYO, M. C. de S. A questão tecnológica e a qualificação profissional. In: AMÂNCIO FILHO, A. MOREIRA, M. C. G. B. (Org.). Saúde, trabalho e formação profissional. Organizado por Antenor Amâncio Filho. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1997. p. 52.
NUNES, C.; SILVA, E.. A Educação Sexual da Criança. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000.
ROSA, L. A. G. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Copyright, 1994.

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